A Questão do Tempo

(Escrito em: 26 de janeiro de 2017)

Tive tempo então para repensar minha vida por alguns instantes, imaginei como seria se houvesse tempo para viver, admirar as imagens de um filme italiano qualquer, ler um livro ou conversar com quaisquer pessoas. Mas isso ainda estaria muito aquém do que eu realmente queria, desejava uma vida suave onde houvesse tempo para viver intensamente e não entregar minhas principais horas vitais do dia para o trabalho, porém quanto a isso era realista, sabia que não iria ocorrer tamanho milagre, mas me contentaria apenas com pouco mais de tempo livre.

Lembrei-me então que às terças (meu dia de folga) eu não fazia nada muito extravagante, completamente compreensível já que nesses dias eu procurava ressuscitar do reino do limpo existencial e voltar a reconstituir meu corpo e alma para engatilha-los nos próximos dias do meu dominó trabalhista. Ainda que nas terças tinha de aturar meu irmão sanguessuga me tirar o resto de essência vital que a semana não conseguira me tomar. Pois bem, decidi então sair de casa nesses dias procurando ausentar a imagem do canalha familiar e arrumar um hobbie qualquer, chique não? Um hobbie, palavra arrumada, estrangeira, coisa de gente que dá sentido à vida. Decidi então começar a ler. Eu leria um livro toda terça, assim eu teria algo para buscar durante minha semana, o sentido para alcançar nas minhas sofridas horas trabalhadas, o caminho para conseguir a virtude da minha permanência terrestre. Então logo me toquei que não havia dinheiro para comprar os malditos livros.

Pus-me a trabalhar nas terças então, agora sim eu teria dinheiro, agora sim eu conseguiria comprar o sucesso para a vida perfeita.
Logo depois de um mês trabalhando nas terças obtive a remuneração necessária para meu deleite. Tamanha alegria já não podia mais me preencher.

Então fui à livraria da cidade, triei por algo que consegui me interessar e quando me coloquei a tentar ler alguma coisa descobri que minha visão já não suportava mais tamanho esforço.
Talvez devido às faíscas que expeliam das soldas que olhava fixamente todo santo dia no trabalho, querido trabalho.

Claro, não sou um homem qualquer, era um cara muito bem determinado, então resolvi fazer uns óculos, instrumento do qual iria me libertar do desespero a mim entregue.

Trabalhei por alguns meses dedicado a conseguir o dinheiro para o bendito instrumento, minhas terças cada vez mais ocupadas e o cansaço a cada dia mais acumulado e estagnado.

Por fim consegui o dinheiro, fui até o oculista e encomendei-o, ele fez algumas medições, uma cara de indeciso e deu-me um valor, ao ver quase pulei para trás, olhei para o doutor e disse “você tem certeza quanto a esse preço” e ele então pegou o papel e pôs-se a vê-lo, pois bem, disse ele “desculpe havia esquecido das casas decimais”. Depois disso meu medo foi ainda maior, deveria certamente vender minha alma para poder meu corpo enxergar. Mas ainda assim concordei em fazê-lo.

Na outra semana fui apanhar os óculos, tomei-o e sem muito experimentar já saí do oculista já que meu horário de almoço não era muito grande.

Esperei até a terça da semana e então percebi que ainda não tinha livro algum. Trabalhei por mais algumas semanas e juntei dinheiro para o tal.

Quando surgiu outra terça fui à livraria e comprei um maldito livro sem muito pesquisar já que não podia perder muito tempo se não nem tempo haveria para lê-lo. Cheguei em casa vesti os óculos e pus-me a ler, era horrível tentar enxergar com aquilo, quando estava começando a gostar e enxergar meu chefe passou em casa desesperado para que ajudasse no emprego, fui então correndo para a ação.

Então percebi que agora eu tinha dinheiro para exercer meu hobbie, porém deixei de ter tempo e para ter tempo eu deixaria de ter dinheiro.