(Escrito na data de postagem)
O velho que era infeliz travou num pensamento,
Em engrenagens imóveis pensou ver movimento.
Concentrou-se ao máximo que pôde naquele instante
E conseguiu navegar num devaneio obstante.
Ao passar pela ponte dum abismo qualquer
Sentiu o medo travar suas pernas de repente,
Nos vultos que rodeavam aquele lugar
Notou sua imagem em cada um se formar.
Ao fixar o olhar num espectro próximo
Viu transformar-se no alvo de seus olhos.
Olhou para suas mãos naquele segundo
E enxergou um homem não tão imundo.
Estava a sentir a sua meia-idade retornar.
Junto a ela inúmeras recordações e sonhos,
Contudo uma coisa ainda não vira transformar,
A infelicidade que sempre estava a lhe rondar.
No momento que notou, voltou à mesma ponte,
O espectro que havia incorporado tinha partido.
De relance assustou-se com outro que passava,
Estava novamente em uma idade que cessara.
Agora tão mais novo, incorporou a juventude,
Notou que com a idade mudara também a virtude.
No tempo em questão sonhava em ser destemido,
Temendo não ser, demorou décadas para saber.
Contudo agora sabia que em sua meia-idade
A infelicidade sempre esteve a acompanhar,
Pois naquele momento ser destemido não bastava
E em seu futuro ele tinha de se espelhar.
Notou que podia ter sido mais feliz por si só.
A vida lhe entregou tantas coisas pouco a pouco,
Mas nunca se comparou com o seu passado,
Lutou para deixar de lado o que mais tinha valor…
A cobrança que fizera em toda uma vida
Apenas ajudou a não estancar a ferida
E a trazer perto de si toda a violenta dor
A qual se agarrou sem qualquer pudor.
Ao retornar não se desfez do segundo vulto,
Sentiu-se tão mais novo após voltar a si
E nem sequer notou tantos outros de si
Que deixou passar sem interesse algum.
O velho pouco a pouco atravessou a ponte.
Novamente o futuro ele iria voltar a fazer,
Mas agora sem comparar pela frente
Uma idade que logo viria a morrer.