(Escrito na data de postagem)
Estamos sempre atribuindo valores às coisas.
- “Fulano de tal é uma boa pessoa”;
- “Você deve seguir os mandamentos de Deus, pois representam o bem”;
- “A maldade é um tipo de correspondência que acaba sempre voltando para o remetente”;
- “A mentira é a maldade retratada”;
- “Faça o bem sem olhar a quem”.
Frases como as ditas acima são facilmente identificadas em palavras cotidianas. Porém, já lhe passou na cabeça, em algum momento, que determinados valores podem estar invertidos? Que coisas boas são na verdade ruins em outro ponto de vista? Que diversas decisões envolvem consequências negativas e positivas? Pois bem, talvez essa verdade dicotômica não seja tão verdadeira.
Na orelha do livro “Os Pensadores: Russell” da editora abril de 1978 há a seguinte linha de raciocínio de Bertrand:
“É óbvio que não existe um dualismo entre fatos verdadeiros e falsos; existem única e exclusivamente fatos. Seria um erro, obviamente, dizer que todos os fatos são verdadeiros. Seria um erro porque verdadeiro e falso são correlativos, e somente diríamos de uma coisa que ela era verdadeira se fosse a espécie de coisa que poderia ser falsa. Um fato não pode ser nem verdadeiro nem falso.“
Esse pensamento exposto acima faz parte do livro “Lógica e Conhecimento (Ensaios 1901 – 1950)” do escritor Bertrand Russell. O autor foi um grande lógico e matemático, além de filósofo, uma das conclusões que fez após décadas de estudos envolvendo estas áreas é que não conseguimos sustentar uma veracidade sobre um fato, um fato apenas é, não pode ser bom ou ruim.
Nietzsche diria que “Não existem fatos, apenas interpretações“, não há como concretizar algo como fato se cada pessoa tem uma visão, e portanto, uma interpretação diferente sobre o ocorrido.
Para George Orwell “A História é escrita por vencedores”, o que faz sentido analisando o ponto de vista de Nietzsche, já que vencedores expressam seus pontos de vista, modificando aquilo que lhes convém para benefício alheio.
Se entendermos que um fato só existe se não houver um sujeito para interpretá-lo, pois assim, não haveria relativização sobre ele, não haveria como modificá-lo, não haveria como moldá-lo, seria ele por si só. Conseguimos notar que não há como existir um fato compreensível ao ser humano, já que para um ser humano entender um fato ele já o corromperia ao tentar interpretá-lo. O fato deixa de ser fato e passa a ser uma interpretação.
Um fato só é fato se não for possível corrompê-lo.
Parece meio confuso e até pode ser, mas prossigamos. Se neste pensamento que construímos até aqui notamos que não há possibilidade de haver fatos que possamos retratar e entender, o que restaria existir então?
A reposta é: temos interpretações sobre o que julgamos, assim construímos valores morais. Nietzsche propõem em sua filosofia uma crítica aos valores morais, colocando em questionamento o valor dos valores morais. Pois bem, quando foram criados esses valores que hoje tomamos por concretos?
O bem e o mal, segundo Nietzsche até então nunca haviam sido questionados. Os valores de bem e de mal, ao menos desde Platão, tinham sua legitimidade em outro mundo, através da metafísica. Este mundo transcendente (inexistente e que como ideia tornou-se um câncer para a humanidade) seria um mundo ideal, diferente do nosso mundo que seria corruptível, cria-se uma duplicidade de mundos. Na visão de Platão o Mundo das Ideias seria este mundo essencial, um mundo que comporta o belo, o verdadeiro, o eterno, a perfeição, o bem. Para Nietzsche esta legitimidade em que este outro mundo sustenta valores tão admiráveis não passa de uma invenção, uma ficção, algo que duplica nosso mundo e tira o que há de puro nele.
Pois bem, para que os valores sejam o aquilo que conhecemos hoje, houve alguém que os delimitou. Nalgum momento os valores surgiram, e neste momento, foram gerados a partir da perspectiva de seus criadores. Logo a perspectiva avaliadora do sujeito neste momento passa a ser considerada um valor.
Há sempre uma tendência a acreditarmos que o valor de “bem” seja superior ao valor de “mal”. Estamos acostumados a postularmo-nos como seres do bem. Nietzsche através de seus estudos chega à conclusão que existem duas perspectivas avaliadoras: a dos nobres e a dos fracos.
O nobre num primeiro momento cria o valor bom, logo atribuído a si próprio. Em contraste aquilo que a perspectiva avaliadora nobre cria para si, também cria o inverso, o ruim, passando esta visão aos fracos.
Já por outro lado a perspectiva avaliadora dos fracos começa criando o valor mal, designando justamente aos nobres. Logo, se os nobres são maus, então os fracos veem a si mesmos, como bons, o valor de bondade.
Então, neste momento, percebamos que há uma moral dos nobres e uma moral dos fracos. A moral dos fortes e a dos coitados. Esta moral vista como perspectiva avaliadora. Com isso, Nietzsche propõe que o valor “bem”, daqueles que são nobres, não pode ser o mesmo daqueles que são fracos, já que foram criados em morais opostas.
O valor de maldade que é proposto pelos fracos nada mais é que a bondade proposta pelos nobres.
O valor de bondade criado pelos nobres, contrapõe-se ao valor de maldade, criado de forma reacionária pelos fracos. A moral dos coitados surge da inversão dos valores dos fortes. Logo os ressentidos não criam seus valores, apenas contrapõem os valores que foram criados pelos grandiosos. Se há uma reação dos fracos à moral dos fortes, de forma lógica, Nietzsche conclui que a moral dos coitados é posterior a dos nobres.
Se começarmos a pensar que a moral dos fortes ou a moral dos fracos é melhor uma que a outra, caímos no mesmo problema. Passamos a moldar nossa perspectiva avaliadora à própria moral escolhida. Então Nietzsche propõe uma avaliação sobre a perspectiva avaliadora, onde haja um critério de avaliação que não faça cair num círculo vicioso e se enquadrar em uma das perspectivas. O único critério de avaliação possível, nestas condições, e que se impõe por si mesmo, é a vida.
A ideia que Nietzsche propõe é que o valor da vida não pode ser avaliado. O ser por si só não pode avaliar o valor da vida por, justamente, a estar vivendo. Então para algo ser avaliado, deve-se levar em consideração, o quanto este algo contribuiu para a expandir a vida ou para degenerá-la. Assim, qualquer item pode ser avaliado, desde um acontecimento histórico, uma ciência, uma obra, uma teoria, etc, etc, etc.
- Quanto a iluminismo contribuiu ao valor da vida em expansão e degeneração?
- Qual a avaliação da descoberta do fogo em relação ao valor da vida em expansão e degeneração?
- Quão valoroso fora a criação da Teoria das Ideias em relação à vida em seu valor em expansão e degeneração?
Perguntas como estas são exemplos de como deveriam ser feitas as avaliações usando o único valor que se impõe nele mesmo, o valor da vida. Quanto algo avaliado é sintoma de exuberância e decadência à vida.
Pois bem, cabe o questionamento de qual seria o entendimento de Nietzsche pela vida. Vida segundo Nietzsche é a expressão da Vontade de Potência do ser vivo, a vontade orgânica de qualquer ser vivo de querer. Todo ser vivo como um conjunto complexo, de mente e de corpo, que trabalha de forma única, ser este que deseja mais Vontade de Potência, quer mais expansão, quer mais ascensão, quer mais vida. Quanto maior a resistência que o ser vivo encontra, maior o estímulo para superá-la, logo maior expressão de Vontade de Potência.
Assim, começamos a pensar muito Além do Bem e do Mal.
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A aula abaixo dada por Scarlett Marton, especialista em Nietzsche, ajudou muito na escrita deste texto, deixo o vídeo na íntegra para aqueles mais interessados em se aprofundar ao tema. O vídeo apontará os caminhos para adentrar as ideias de Nietzsche.