(Escrito em: 1 de maio de 2019)
Sentei e olhei para os lados da sala tentando enxergar algo de diferente no vazio do preenchimento sempre igual, nada notei. Encostei minhas costas na poltrona até que reclinasse, observei o teto e ainda não pude examinar nada de diferente, contudo continuei a olhar para o nada, foquei minha visão ao vácuo e tudo consegui enxergar. Na realidade não era a totalidade das coisas, todavia, as que vivi.
Notei tantos que lá e cá vieram até minha vida, amigos, romances e desconhecidos que marcaram e sumiram. Engraçado como dum instante para outro a mente pode navegar em memórias distantes, o maior cuidado é para nelas não naufragar…
Lembrei-me duma linda menina, cabelos e olhos negros, pequena, frágil, mas convicta. Tão leve ao ser carregada, contudo, ainda assim de tamanha complexidade. Conversamos por certo tempo, parecia que tínhamos algo a ver um com um outro, contudo o tempo fez com que nos afastássemos… Ah, a desculpa do tempo, sempre tão usada e questionável, porém tão aceita. O tempo nunca mudou nada, deixamos de nos falar pelo fato dela ter arranjado um namorado ou por falta de assunto, creio que a última consequência da anterior.
Levantei-me e fui tentar achar seu número numa velha agenda, entre um rabisco e outro consegui identificar os caracteres, talvez quando a risquei não fiz da maneira mais odiosa justamente para ter a chance de ler aquilo num futuro não tão distante, contudo se passaram anos… Enfim, se não me engano há uma música que fala de “rasgar” ao invés de “rabiscar”, por mais clichê que fosse, bem… dizia a verdade.
Anotei o número noutro papel, caminhei até o sofá e puxei o telefone até mim, disquei os números repetindo-os em voz alta sem pressa alguma, um sentimento de nostalgia me invadiu, talvez em poucos instantes conseguisse reacender o prazer de se relacionar com alguém interessante. Ao chegar no último dígito apenas disse seu nome sem discá-lo, era um 9.
Naqueloutro momento uma sensação de desânimo me tocou, que raio estaria acontecendo? Ainda que eu conseguisse falar com aquela moça, o que garantiria ser interessante? Talvez ela tenha terminado seu relacionamento e esteja aberta a novas conversas, contudo de que importa? Para que reviver um passado falho e tentar reacender a luz que já iluminou bons momentos, mas terminou no instante em que a vela chegou ao fim?
Mania idiota que sustento de sempre se prender ao passado, toda vez olhar para trás e não aceitar as cordas mal atadas. Como se fosse possível resolver todos os erros que cometi, sem considerar as ocasiões que nem sequer errei, apenas fui deslocado pelo destino por razões diversas. De que adianta se lamentar e insistir no erro?
Um mundo de possibilidades e insisto em discar para um número que nunca mais me ligou.